Tenho andado doente e um pouco afastada mas que boa reflexão para voltar aqui! Infelizmente as mulheres ainda sofrem muito com as expectativas do aspecto físico e isso também muda entre culturas. Há uns anos fui a um acampamento na Holanda e estava toda aflita sobre o que seria apropriado levar visto que era um acampamento mas havia a parte do jam musical e eu não sabia se me havia de vestir para o jam ou acampamento ou lá o que (não que alguma vez me tenha vestido muito chique, mas em Portugal sempre senti a pressão dos saltos altos e da maquilagem - os saltos recusei desde sempre, embora me maquilhasse às vezes). Cheguei lá e mesmo naquilo que a maioria das pessoas portuguesas iria chamar “meia desleixada” ainda era das menos casuais. E quando me mudei para cá de vez apercebi-me que as pessoas vestem-se para as ocasiões e nunca muito arranjadas mesmo em casamentos (aliás a maior parte das noivas holandesas veste se para o casamento como um convidado português). E sinceramente, sendo alguém que não tem jeito nem gosta mt de se arranjar, foi uma lufada de ar fresco. Saber que posso ir mais desportiva, mais no meu estilo e não ter pessoas a julgar-me pela forma como me visto, mas sim pela minha pessoa. Trabalho em recepção e mesmo ali, vou mais arranjada e clássica, mas não preciso de meter cinco camadas de maquiagem todos os dias para ir trabalhar (aliás, não meto nenhuma). Mas em geral e na internet vê-se muito, mesmo muito o escrutínio e o julgamento como se não estar sempre super arranjada (e nova, claro mas não com coisas estéticas, tem de parecer nova e magra mas naturalmente) fosse uma falha moral.
Pois é, claro, faltou o ângulo intercultural! Eu na Alemanha também era (comparavelmente) muito arranjadinha. Mas nessa altura ainda tinha, por exemplo, sapatos de salto alto muito giros que gostava de usar de vez em quando, em jeito de contraste com os ténis do dia anterior. Só a calçada portuguesa e a meia-idade é que os arrumaram de vez.
Ainda assim: sinto que a escala portuguesa, que é mais exigente que a alemã ou a holandesa, é ainda assim menos puxada para o lado dondoca que a italiana, a grega ou mesmo a espanhola (sendo que a espanhola tem a vantagem de ser mais criativa, colorida e divertida, que é uma coisa que aqui somos muito pouco).
A minha teoria é que há uma ligação entre a exigência do aspecto cuidado feminino e a igualdade entre os géneros e que, nos países que se aproximam mais dessa igualdade, os critérios de "aspecto cuidado" se aproximam mais dos dos homens - banho tomado, roupa limpa, calçado em bom estado (mais coisa menos coisa).
Isso mesmo! E acredita, li mais do que um blog de imigrantes Latino-Americanas a viver aqui que se queixavam de não serem assediadas na rua! Que se arranjavam, principalmente para sair, mas depois não ouviam assobios de homens estranhos porque a maioria dos homens aqui simplesmente não liga muito a isso. E enquanto isto para mim é tipo “que coisa de se dizer” eu no fundo percebo, embora pessoalmente Deus me livre isso, é a última coisa que quero! Mas cresci sempre convencionalmente não atraente (as pessoas achavam-me feia, ponto e eu em consequência, também) e em adolescente, quando passava obras ou lá o que fosse onde quase todos os dias há assédio sem qualquer reação, pensava, pá nem os homens das obras me acham bonita, que é uma coisa horrível de se pensar. Um assobio naquela altura para mim era uma faca de dois bicos: sabia que o assobio era horrível, mas sentia-me validado se acontecia porque “pelo menos não sou assim tão feia”. Uma toda discussão, com imensas camadas, muita aprendizagem e crescimento e desfazermo-nos de certas noções que aprendemos a vida toda, isto de ser mulher. Obrigada por me fazeres reflectir nisto hoje.
Resumindo: nascer mulher é nascer fadada ao julgamento!
A vantagem de nunca se ter nascido magra, nem com uma genética nem com uma constituição física que o permitam, é que quando se chega aos 40 já se aprendeu a lidar (muito) bem com a opinião dos outros e estamo-nos a marimbar para o aspecto cuidado. Ainda que saibamos que vamos invariavelmente ser julgadas pela nossa imagem física.
Pessoalmente sou team cabelos pintados, mas tenho a sorte de ter pouquíssimos cabelos brancos que ainda não pinto. Mas o que me deprime mesmo são pelos brancos em certas partes do corpo! Desde flagelo ninguém fala!
Não vou tão longe, apesar dos 43 - mas também me parece que envelhecer é mais duro se a tua beleza tiver nalgum sido uma fonte parte significativa de capital social, que também nunca foi o meu caso. Noto muito isso na minha mãe, por exemplo, e compreendo.
Mas eu penso no que visto, e especialmente no que visto em função do que vai acontecer naquele dia - não só para um casamento ou assim, mas para uma reunião difícil, para me encontrar com um grupo de pessoas específico, para ir ali ou acolá. Não me é indiferente nem irrefletido (que foi a origem desta reflexão, a conversa que citei originalmente).
(e os pelos no queixo? Ainda me lembro do primeiro, do qual tive de ser informada. Esses é que podiam ser brancos...)
Fiquei a pensar nisso de o "aspecto cuidado" depender do nosso código sociocultural, vou continuar a pensar. De resto, tenho mãe e três irmãs dela que competem no escalão Ladies of a Certain Age pelo aspeto mais cuidado, o que é profundamente libertador. Desisti há muito tempo. Tomo banho, escovo os dentes, o resto, aguentem.
Acho que o código "universidade" é muito aberto, especialmente na tua área (na minha já é ligeiramente diferente, embora não seja uma diferença radical) :)
PS: A estética Ladies of a Certain Age por acaso é uma questão que me interessa - não faço questão de ter um ar sofisticado agora, mas queria mesmo ser uma velhinha com pinta. Assim com uma certa sofisticação, mas também sentido de humor (assim como assim, não tenho corpo para o estilo "linho e cores claras na costa leste dos EUA").
Será que posso começar só aos 70, ou tenho de começar a investir já?
Li até ao fim este seu texto. E gosto sempre de a ler.
Mas desta vez vou dizer qualquer coisa sobre essa história do “bom aspecto”
Então isso não será sempre um desejo intímo, pessoal e não social?!?
Se calhar aprendi com a minha mãe, mas esse mantra serviu tanto para as raparigas como para os rapazes. Banhinho, roupa lavada, penteia-te, dizia ela (a mãe) e puxa as meias para cima (eram até ao joelho….)
Disse o mesmo às minhhas filhas e digo-lhe Rita, conceito social ou não é muito mais agradável olhar para uma pessoa “arranjada” que transformada em maltrapilha, só porque sim……
Acho que há um desejo, íntimo e quase pré-social, por assim dizer, de gostar de si mesmo, de agradar aos outros e de estar integrado numa comunidade.
Digo pré-social, mas isso não existe, claro, nunca existimos fora da sociedade, mas acredito que possa ser quase inato, parte do código de uma espécie colaborativa como a nossa.
Agora, como agradamos a nós mesmos depende tanto do que nós mesmos valorizamos como do que a sociedade valoriza.
Como agradamos aos outros depende do que os outros esperam de nós.
E como reagimos perante as normas sociais (aceitando-as ou recusando-as) depende muito delas e do papel que vemos para nós nessa sociedade.
Eu gosto de me sentir bem vestida (gosto por exemplo da roupa que trago hoje).
Raramente saio de casa sem brincos (tenho brincos de emergência no escritório!) (os ladrões que não se entusiasmem, é tudo bijutaria), gosto de usar perfume (sempre) e alguma maquilhagem (mas só às vezes).
Quando saio de casa e gosto do meu aspecto, o dia corre-me objetivamente melhor.
Ou, pegando no seu exemplo das filhas, tento não deixar as minhas filhas sair de casa sujas nem com roupa pouco adequada ao estado do tempo.
Estas são ideias razoavelmente neutras – é minha função zelar pela sua saúde e a higiene faz parte dela.
Mas também não as deixo, por um lado, usar calções que mostrem as nádegas – uma norma absolutamente cultural e subjetiva (e em desuso, a julgar pelo que encontro nas lojas).
E deixo, por outro lado, vestirem vestidos e saias sem calções por baixo ou usar só a parte de baixo de um bikini – mas depois leio páginas americanas, e os mamilos das meninas pequenas devem ficar escondidos e é sua obrigação usar calções debaixo dos vestidos e saias para não mostrar as cuecas quando sobem às árvores ou fazem a roda, o que para mim é absurdo.
Reparei nisso no início do ano lectivo quando via vídeos com entrevistas a rapazes e raparigas que tinham entrado no ensino superior. eles, cara lavada e com sorte, elas, maquilhadas, cabelo arranjado, bem vestidas. Uma diferença muito grande sobre a expectativa que cada um sentia que devia cumprir para ocupar lugar.
O dress code também existe para os homens, eventualmente mais simples mas mais rígido. Com evolução evolução lenta mas que se nota quer nos quadros, para períodos de séculos, quer nas fotos de família ou nos filmes para períodos mais recentes.
Ultimamente os filmes são também datáveis, quase ao ano, pelos telefones, pelos monitores, por alguns electrodomésticos e pelos automóveis.
Sim, é uma grande verdade que, sendo menos exigentes (não conheço muitas circunstâncias em que um dress code masculino exija um investimento matinal de mais de vinte minutos), são também muito mais rígidos e aborrecidos.
O feminismo vai ficar desiludido comigo, mas eu acho que não trocava.
Olá, olá. Não sou «professora do Substack», mas o mais justo (para «evitar» a Wook - que, apesar do purismo de fontes bem que compreendo, tem lá tudo) é ir aos sites das editoras dos livros que mencionas e pôr esse link, como por exemplo: https://www.relogiodagua.pt/produto/esse-cabelo/ A Relógio d'Água (ainda) é independente, mas... a Dom Quixote já «é» da Leya: https://leyaonline.com/pt/livros/romance/americanah-2-2/
Adorei esta tua reflexão — há, de facto, uma espécie de obsessão social com o “estar cuidado”, sobretudo quando se fala de mulheres, e ainda mais quando essas mulheres têm uma vida pública ou estão, de alguma forma, expostas ao olhar dos outros. Parece que há sempre uma expectativa silenciosa (ou nem por isso) de que o nosso corpo, o nosso cabelo, a nossa roupa — tudo — esteja impecável, como se isso fosse sinónimo de competência, profissionalismo ou até valor pessoal.
Eu, pessoalmente, tento estar “apresentável” no dia a dia — seja lá o que isso quiser dizer — mas também já me senti julgada por usar uma camisa mais amarrotada, por ter o cabelo cheio de electricidade estática ou por parecer mais “desarranjada” num dia em que simplesmente estava cansada ou com outras prioridades. É como se houvesse pouco espaço para a imperfeição, sobretudo quando ela é visível. E é curioso como esses pequenos detalhes, que muitas vezes nem nos dizem nada sobre quem somos, acabam por pesar tanto no olhar alheio.
Também queria dizer que gostei muito das tuas recomendações — já tomei nota — e fiquei mesmo feliz por saber que seguiste a minha sugestão e que o livro te tocou. Nada me dá mais prazer do que esse vaivém de leituras partilhadas. Estou mesmo entusiasmada por te ver a reconectar com a banda desenhada — é um universo tão rico, tão visualmente estimulante, e com tanto por explorar. Mal posso esperar para saber o que vais descobrir por aí.
Very interesting discussion. I am going through a phase right now when I’m wondering whether I should dye my hair or not. I like it when it’s dyed but I’m very fussy about how it should be done and the hairdresser I like is currently too expensive for my budget. So I’m experimenting being frumpy with gray hair.
I think you’re right about issues of class and money.
I’m also amazed about the obsession with looks and aesthetic surgery here in Portugal. I read a fascinating article by Italian anthropologist who works here, who talked about falling under pressure and starting to get Botox because of the need to look younger and appealing.
On a different note, I find it funny that you would drink Aperol spritz while listening to Mulatu Astatke. Somehow it seems like the wrong drink 🙊
I got to met him when I lived in Ethiopia and interviewed him for a Slovene publication as he was getting ready for a concert in Slovenia. I’ll try and dig out the link to a blog post. I wrote about it over a decade ago.
Yes, my post last week is perfectly aligned with your note :)
I think the Portuguese are obsessed with looks and appearances, but I am surprised at all the plastic surgery and botox. Do you know if that Italian anthropologist moved in quite high society circles? I know only one portuguese person who had plastic surgery that I know of, and don't know anyone personally who has admittedly had botox (although I have doubted one person). Most of my colleagues and friends are around my age, so early forties, first wrinkles, grey hairs incoming or already there. Maybe everyone is just not talking about it?
Look up this Chiara Pussetti: Because You’re Worth It! The Medicalization and Moralization of Aesthetics in Aging Women -I downloaded it from the internet- it was freely available. If you can't find it, let me know, I can share my copy.
Thank you, I really enjoyed her angle and all the stories. Anthropological research papers are so much more fun than all the others...
But I was right though, it was a particular subset of women ("I undertook participant observation in private aesthetic clinics, beauty salons and
wellness centres, interviewing eight healthcare professionals and 23 middle-class, heterosexual and cisgender Portuguese women who identified themselves as white").
Most people in my social circle have never been to some of the places she refers.
I think middle class might be an understatement - those treatments aren't cheap, and people in Portugal refer themselves as middle class all the way from actually poor to actually rich (I am sure someone has studied this).
Ah, how lovely. I feel like inviting myself over. Also, have a lot more thoughts about Portuguese women and appearances. Will probably write another long comment soon.
Tenho andado doente e um pouco afastada mas que boa reflexão para voltar aqui! Infelizmente as mulheres ainda sofrem muito com as expectativas do aspecto físico e isso também muda entre culturas. Há uns anos fui a um acampamento na Holanda e estava toda aflita sobre o que seria apropriado levar visto que era um acampamento mas havia a parte do jam musical e eu não sabia se me havia de vestir para o jam ou acampamento ou lá o que (não que alguma vez me tenha vestido muito chique, mas em Portugal sempre senti a pressão dos saltos altos e da maquilagem - os saltos recusei desde sempre, embora me maquilhasse às vezes). Cheguei lá e mesmo naquilo que a maioria das pessoas portuguesas iria chamar “meia desleixada” ainda era das menos casuais. E quando me mudei para cá de vez apercebi-me que as pessoas vestem-se para as ocasiões e nunca muito arranjadas mesmo em casamentos (aliás a maior parte das noivas holandesas veste se para o casamento como um convidado português). E sinceramente, sendo alguém que não tem jeito nem gosta mt de se arranjar, foi uma lufada de ar fresco. Saber que posso ir mais desportiva, mais no meu estilo e não ter pessoas a julgar-me pela forma como me visto, mas sim pela minha pessoa. Trabalho em recepção e mesmo ali, vou mais arranjada e clássica, mas não preciso de meter cinco camadas de maquiagem todos os dias para ir trabalhar (aliás, não meto nenhuma). Mas em geral e na internet vê-se muito, mesmo muito o escrutínio e o julgamento como se não estar sempre super arranjada (e nova, claro mas não com coisas estéticas, tem de parecer nova e magra mas naturalmente) fosse uma falha moral.
Pois é, claro, faltou o ângulo intercultural! Eu na Alemanha também era (comparavelmente) muito arranjadinha. Mas nessa altura ainda tinha, por exemplo, sapatos de salto alto muito giros que gostava de usar de vez em quando, em jeito de contraste com os ténis do dia anterior. Só a calçada portuguesa e a meia-idade é que os arrumaram de vez.
Ainda assim: sinto que a escala portuguesa, que é mais exigente que a alemã ou a holandesa, é ainda assim menos puxada para o lado dondoca que a italiana, a grega ou mesmo a espanhola (sendo que a espanhola tem a vantagem de ser mais criativa, colorida e divertida, que é uma coisa que aqui somos muito pouco).
A minha teoria é que há uma ligação entre a exigência do aspecto cuidado feminino e a igualdade entre os géneros e que, nos países que se aproximam mais dessa igualdade, os critérios de "aspecto cuidado" se aproximam mais dos dos homens - banho tomado, roupa limpa, calçado em bom estado (mais coisa menos coisa).
Isso mesmo! E acredita, li mais do que um blog de imigrantes Latino-Americanas a viver aqui que se queixavam de não serem assediadas na rua! Que se arranjavam, principalmente para sair, mas depois não ouviam assobios de homens estranhos porque a maioria dos homens aqui simplesmente não liga muito a isso. E enquanto isto para mim é tipo “que coisa de se dizer” eu no fundo percebo, embora pessoalmente Deus me livre isso, é a última coisa que quero! Mas cresci sempre convencionalmente não atraente (as pessoas achavam-me feia, ponto e eu em consequência, também) e em adolescente, quando passava obras ou lá o que fosse onde quase todos os dias há assédio sem qualquer reação, pensava, pá nem os homens das obras me acham bonita, que é uma coisa horrível de se pensar. Um assobio naquela altura para mim era uma faca de dois bicos: sabia que o assobio era horrível, mas sentia-me validado se acontecia porque “pelo menos não sou assim tão feia”. Uma toda discussão, com imensas camadas, muita aprendizagem e crescimento e desfazermo-nos de certas noções que aprendemos a vida toda, isto de ser mulher. Obrigada por me fazeres reflectir nisto hoje.
Claro, somos condicionadas por essas reações, para o melhor e para o pior. Eu senti mais o alívio, mas percebo completamente quem também nota a falta.
Resumindo: nascer mulher é nascer fadada ao julgamento!
A vantagem de nunca se ter nascido magra, nem com uma genética nem com uma constituição física que o permitam, é que quando se chega aos 40 já se aprendeu a lidar (muito) bem com a opinião dos outros e estamo-nos a marimbar para o aspecto cuidado. Ainda que saibamos que vamos invariavelmente ser julgadas pela nossa imagem física.
Pessoalmente sou team cabelos pintados, mas tenho a sorte de ter pouquíssimos cabelos brancos que ainda não pinto. Mas o que me deprime mesmo são pelos brancos em certas partes do corpo! Desde flagelo ninguém fala!
Não vou tão longe, apesar dos 43 - mas também me parece que envelhecer é mais duro se a tua beleza tiver nalgum sido uma fonte parte significativa de capital social, que também nunca foi o meu caso. Noto muito isso na minha mãe, por exemplo, e compreendo.
Mas eu penso no que visto, e especialmente no que visto em função do que vai acontecer naquele dia - não só para um casamento ou assim, mas para uma reunião difícil, para me encontrar com um grupo de pessoas específico, para ir ali ou acolá. Não me é indiferente nem irrefletido (que foi a origem desta reflexão, a conversa que citei originalmente).
(e os pelos no queixo? Ainda me lembro do primeiro, do qual tive de ser informada. Esses é que podiam ser brancos...)
Fiquei a pensar nisso de o "aspecto cuidado" depender do nosso código sociocultural, vou continuar a pensar. De resto, tenho mãe e três irmãs dela que competem no escalão Ladies of a Certain Age pelo aspeto mais cuidado, o que é profundamente libertador. Desisti há muito tempo. Tomo banho, escovo os dentes, o resto, aguentem.
Acho que o código "universidade" é muito aberto, especialmente na tua área (na minha já é ligeiramente diferente, embora não seja uma diferença radical) :)
PS: A estética Ladies of a Certain Age por acaso é uma questão que me interessa - não faço questão de ter um ar sofisticado agora, mas queria mesmo ser uma velhinha com pinta. Assim com uma certa sofisticação, mas também sentido de humor (assim como assim, não tenho corpo para o estilo "linho e cores claras na costa leste dos EUA").
Será que posso começar só aos 70, ou tenho de começar a investir já?
Li até ao fim este seu texto. E gosto sempre de a ler.
Mas desta vez vou dizer qualquer coisa sobre essa história do “bom aspecto”
Então isso não será sempre um desejo intímo, pessoal e não social?!?
Se calhar aprendi com a minha mãe, mas esse mantra serviu tanto para as raparigas como para os rapazes. Banhinho, roupa lavada, penteia-te, dizia ela (a mãe) e puxa as meias para cima (eram até ao joelho….)
Disse o mesmo às minhhas filhas e digo-lhe Rita, conceito social ou não é muito mais agradável olhar para uma pessoa “arranjada” que transformada em maltrapilha, só porque sim……
Obrigada Luísa!
Acho que há um desejo, íntimo e quase pré-social, por assim dizer, de gostar de si mesmo, de agradar aos outros e de estar integrado numa comunidade.
Digo pré-social, mas isso não existe, claro, nunca existimos fora da sociedade, mas acredito que possa ser quase inato, parte do código de uma espécie colaborativa como a nossa.
Agora, como agradamos a nós mesmos depende tanto do que nós mesmos valorizamos como do que a sociedade valoriza.
Como agradamos aos outros depende do que os outros esperam de nós.
E como reagimos perante as normas sociais (aceitando-as ou recusando-as) depende muito delas e do papel que vemos para nós nessa sociedade.
Eu gosto de me sentir bem vestida (gosto por exemplo da roupa que trago hoje).
Raramente saio de casa sem brincos (tenho brincos de emergência no escritório!) (os ladrões que não se entusiasmem, é tudo bijutaria), gosto de usar perfume (sempre) e alguma maquilhagem (mas só às vezes).
Quando saio de casa e gosto do meu aspecto, o dia corre-me objetivamente melhor.
Ou, pegando no seu exemplo das filhas, tento não deixar as minhas filhas sair de casa sujas nem com roupa pouco adequada ao estado do tempo.
Estas são ideias razoavelmente neutras – é minha função zelar pela sua saúde e a higiene faz parte dela.
Mas também não as deixo, por um lado, usar calções que mostrem as nádegas – uma norma absolutamente cultural e subjetiva (e em desuso, a julgar pelo que encontro nas lojas).
E deixo, por outro lado, vestirem vestidos e saias sem calções por baixo ou usar só a parte de baixo de um bikini – mas depois leio páginas americanas, e os mamilos das meninas pequenas devem ficar escondidos e é sua obrigação usar calções debaixo dos vestidos e saias para não mostrar as cuecas quando sobem às árvores ou fazem a roda, o que para mim é absurdo.
Reparei nisso no início do ano lectivo quando via vídeos com entrevistas a rapazes e raparigas que tinham entrado no ensino superior. eles, cara lavada e com sorte, elas, maquilhadas, cabelo arranjado, bem vestidas. Uma diferença muito grande sobre a expectativa que cada um sentia que devia cumprir para ocupar lugar.
O dress code também existe para os homens, eventualmente mais simples mas mais rígido. Com evolução evolução lenta mas que se nota quer nos quadros, para períodos de séculos, quer nas fotos de família ou nos filmes para períodos mais recentes.
Ultimamente os filmes são também datáveis, quase ao ano, pelos telefones, pelos monitores, por alguns electrodomésticos e pelos automóveis.
Sim, é uma grande verdade que, sendo menos exigentes (não conheço muitas circunstâncias em que um dress code masculino exija um investimento matinal de mais de vinte minutos), são também muito mais rígidos e aborrecidos.
O feminismo vai ficar desiludido comigo, mas eu acho que não trocava.
Olá, olá. Não sou «professora do Substack», mas o mais justo (para «evitar» a Wook - que, apesar do purismo de fontes bem que compreendo, tem lá tudo) é ir aos sites das editoras dos livros que mencionas e pôr esse link, como por exemplo: https://www.relogiodagua.pt/produto/esse-cabelo/ A Relógio d'Água (ainda) é independente, mas... a Dom Quixote já «é» da Leya: https://leyaonline.com/pt/livros/romance/americanah-2-2/
Adorei esta tua reflexão — há, de facto, uma espécie de obsessão social com o “estar cuidado”, sobretudo quando se fala de mulheres, e ainda mais quando essas mulheres têm uma vida pública ou estão, de alguma forma, expostas ao olhar dos outros. Parece que há sempre uma expectativa silenciosa (ou nem por isso) de que o nosso corpo, o nosso cabelo, a nossa roupa — tudo — esteja impecável, como se isso fosse sinónimo de competência, profissionalismo ou até valor pessoal.
Eu, pessoalmente, tento estar “apresentável” no dia a dia — seja lá o que isso quiser dizer — mas também já me senti julgada por usar uma camisa mais amarrotada, por ter o cabelo cheio de electricidade estática ou por parecer mais “desarranjada” num dia em que simplesmente estava cansada ou com outras prioridades. É como se houvesse pouco espaço para a imperfeição, sobretudo quando ela é visível. E é curioso como esses pequenos detalhes, que muitas vezes nem nos dizem nada sobre quem somos, acabam por pesar tanto no olhar alheio.
Também queria dizer que gostei muito das tuas recomendações — já tomei nota — e fiquei mesmo feliz por saber que seguiste a minha sugestão e que o livro te tocou. Nada me dá mais prazer do que esse vaivém de leituras partilhadas. Estou mesmo entusiasmada por te ver a reconectar com a banda desenhada — é um universo tão rico, tão visualmente estimulante, e com tanto por explorar. Mal posso esperar para saber o que vais descobrir por aí.
Very interesting discussion. I am going through a phase right now when I’m wondering whether I should dye my hair or not. I like it when it’s dyed but I’m very fussy about how it should be done and the hairdresser I like is currently too expensive for my budget. So I’m experimenting being frumpy with gray hair.
I think you’re right about issues of class and money.
I’m also amazed about the obsession with looks and aesthetic surgery here in Portugal. I read a fascinating article by Italian anthropologist who works here, who talked about falling under pressure and starting to get Botox because of the need to look younger and appealing.
On a different note, I find it funny that you would drink Aperol spritz while listening to Mulatu Astatke. Somehow it seems like the wrong drink 🙊
I got to met him when I lived in Ethiopia and interviewed him for a Slovene publication as he was getting ready for a concert in Slovenia. I’ll try and dig out the link to a blog post. I wrote about it over a decade ago.
Yes, my post last week is perfectly aligned with your note :)
I think the Portuguese are obsessed with looks and appearances, but I am surprised at all the plastic surgery and botox. Do you know if that Italian anthropologist moved in quite high society circles? I know only one portuguese person who had plastic surgery that I know of, and don't know anyone personally who has admittedly had botox (although I have doubted one person). Most of my colleagues and friends are around my age, so early forties, first wrinkles, grey hairs incoming or already there. Maybe everyone is just not talking about it?
Look up this Chiara Pussetti: Because You’re Worth It! The Medicalization and Moralization of Aesthetics in Aging Women -I downloaded it from the internet- it was freely available. If you can't find it, let me know, I can share my copy.
Thank you, I really enjoyed her angle and all the stories. Anthropological research papers are so much more fun than all the others...
But I was right though, it was a particular subset of women ("I undertook participant observation in private aesthetic clinics, beauty salons and
wellness centres, interviewing eight healthcare professionals and 23 middle-class, heterosexual and cisgender Portuguese women who identified themselves as white").
Most people in my social circle have never been to some of the places she refers.
I think middle class might be an understatement - those treatments aren't cheap, and people in Portugal refer themselves as middle class all the way from actually poor to actually rich (I am sure someone has studied this).
(Update: just cooking prawn curry and drinking a Negroni, which made me think of you and laugh at myself!)
Ah, how lovely. I feel like inviting myself over. Also, have a lot more thoughts about Portuguese women and appearances. Will probably write another long comment soon.