Alguma vez comeram manteiga magra?
Numa torrada?
Para fazer manteiga magra, aparentemente, a julgar pela lista de ingredientes, bate-se manteiga com água. Fica mais fácil de barrar e sabe a margarina (porquê? Não consigo perceber, mas é verdade).
Em teoria, numa torrada disfarçava, pensei eu depois de comer um pedacinho de pão fresco com margarina manteiga magra. Fiz uma torrada e ficou molhada.
Molhada!
Molhada, claro, porque eu pus água numa torrada.
Água cara, a preço de manteiga.
Não comecei a comer manteiga magra por estar de dieta, por gosto ou por curiosidade - não tenho nenhuma curiosidade por inovações no que diz respeito à manteiga, as variantes tradicionais satisfazem-me plenamente.
Em Portugal comprava, invariavelmente, a manteiga dos Açores que estivesse a um preço mais baixo, e passei a comprar, depois da vitória total do plástico nas marcas de manteiga açoreanas presentes nos supermercados, a manteiga sem embalagem de plástico que estiver a um preço mais baixo existir.
Juntar os dois critérios, manteiga dos Açores sem embalagem de plástico, ultimamente só fisicamente no Pingo Doce, pelo que quando lá ia trazia sempre quatro ou cinco.
As minhas aventuras com a manteiga magra devem-se exclusivamente à miríade de pedrinhas que mora na minha vesícula e que é urgente não perturbar, tentando minimizar ao máximo a sua atividade.
Como não gostava muito de torradas com outra coisa qualquer e, como toda a gente sabe, não há vida sem torradas, decidi experimentar manteiga magra.
Ainda me lembro da primeira vez: saí com a torrada de casa (sabem lá vocês o que é fazer três crianças pequenas sair de casa a horas) e quando a trinquei, já quase a chegar ao metro, parecia que tinha ido à chuva.
(seria o destino a preparar-me para estes meses em que parece que estamos a tentar colecionar tempestades e depressões com todas as letras do alfabeto?)
Experimentei Matinal, torradas molhadas a saber a margarina, experimentei Président, torradas molhadas a saber a margarina, e, finalmente, habituei-me a torradas com doce, deixando as torradas molhadas para os dias em que tinha mesmo muitas saudades de uma torradinha com manteiga.
Até aqui há uns dias, em que tinha comprado um pão muito bom, arrisquei uma pontinha de pão com manteiga verdadeira e tive uma epifania.
(o segredo para se ter uma epifania é comer manteiga pela primeira vez depois de três meses de jejum)
E em que é que consistiu a minha epifania?
Em voltar ao que sempre acreditei.
Bolo é bolo, salada é salada.
(E uma boa salada é uma coisa deliciosa.)
Meia fatia de bolo verdadeiro é melhor do que pastelão de bananas com tâmaras do Medjool* trituradas e farinha de amêndoa.
Uma colher de chá de mousse de chocolate feita com manteiga verdadeira é melhor que uma taça gigante de cacau com abacate (sabe mesmo a mousse, é delicioso, vais ver!).
Uma garfada de arroz de alho, sequinho, feito com arroz carolino, é melhor que um prato inteiro de arroz de couve-flor.
E:
Um cantinho de manteiga verdadeira numa torrada tem muito menos gordura do que uma torrada inteira de manteiga magra.
O purgatório não existe.
A manteiga é o céu**. A margarina é o inferno.
A manteiga magra é um inferno menos mau um bocadinho, mas ainda assim o inferno.
Sinto que, por detrás desta minha torrada, está uma sabedoria ancestral e infinita, digna do tema desta semana e dos debates sobre o céu e o inferno.
Caso não esteja, sinto muito: leram um texto inteiro sobre torradas.
Mas olhem, se por acaso vierem a ter uma pedra da vesícula, ou muitas, pode ser que vos dê jeito. É como eu sempre digo, não há conhecimento inútil.
(*os bolos com tâmaras do medjool trituradas são uma das minhas embirrações mais profundas. Não sei se já comeram uma tâmara destas, mas são uma espécie de bombom da natureza, toda uma petite mort por direito próprio. Triturá-las para fazer um “bolo” que fica quilómetros aquém de um bolo verdadeiro é um crime inqualificável, já para não falar de ficar caríssimo. Se por acaso o purgatório afinal existir, imagino que tenha sido criado por Deus para colocar lá “nutricionistas do bem” que desprezam as suas dádivas, como quem diz “pensavam que iam para o céu? Fiquem aqui nesta sala de espera, chamem-lhe o “céu do bem” e façam de conta que é a mesma coisa”)
Fonte da imagem:
Estou a ler este livro japonês muito divertido, sobre uma senhoraque também não acredita em compromissos no que diz respeito à manteiga e que é suspeita de ter cometido vários assassínios. Roubei a imagem da capa aqui.
Outros purgatórios
Este texto foi escrito no âmbito de um projeto que junta algumas das minhas pessoas favoritas da internet a escrever sobre o mesmo tema todas as semanas.
Podem ler mais sobre o purgatório aqui:
A Curva
A Gata Christie
Dois Dedos de Conversa
Gralha dixit
O blog azul turquesa
Panados e Arroz de Tomate
Quinta da Cruz de Pedra
A unica manteiga portuguesa que usamos em casa (parsimoniosamente) é a Manteiga Coimbra (que é a mesma que os vários chefes de restaurantes Michelin no território usam, fora do foco das câmaras publicitárias). Porém, tento não comer manteiga em Portugal e reservo este prazer pra a manteiga de Alpes que arranjo uma vez por ano (que é quando as poucas vacas que vivem nas pastagens acima de 2000 metros tem leite. A mesma de Niederkoefler, enfim. Surgelamos aos bocadinhos pra ter em casa - risotto, especialmente, precisa).
Em Lisboa provei a manteiga nas torradas gigantes da Versailles. Uma experiência - que é o que proporciono aos meus visitantes. Como tento comer mais plant- based, não como manteiga no pão que não seja de nozes várias, o (gulosice suprema) de amêndoas com mel e Argan, uma delícia Al Andalus do Marrocos.
If you don't mind, I will respond in English, but I pride myself in only having read text and only looking up a few words I didn't know. I loved this post. Anything food and butter related is heaven (and Julia Child agrees). I grew up eating bread and butter. It was my favourite thing and I would often get jam on top or even nutella (that is sinfully good- you need the butter in between the bread and the nutella or jam, so the bread doesn't become soggy). I lived in Ethiopia for 10 years where butter was awful and I would rarely have access to good butter. I would sometimes spread ghee on bread (which is actually not bad- Gleba sell great ghee from Açores butter). Now the question would be, do you eat plain or lightly salted butter- I grew up with plain, but I now also like lightly salted one.