Esta semana, aos 43 anos, fiquei finalmente convencida da irredutibilidade da minha heterossexualidade.
Aconteceu assim: a nossa chefe lembrou-nos que o tema desta semana era #salvação, e eu, pimba, imaginei logo um salvador.
Eu, uma feminista! Uma mulher independente sem nenhum apuro discernível!
(E minhota, ainda por cima! Quem é quem já viu uma minhota armada em donzela em apuros?)
Um homem para me salvar, a mim. Isto realmente são décadas de condicionamento, prontas a saltar-nos ao caminho!
Curioso é também o facto de nem me ter ocorrido ser salva antes por uma qualquer divindade. Será que o meu agnosticismo se converteu em ateísmo e eu não fui notificada?
Ou ser salva por uma mulher - na vida, devo ter sido salva por mulheres muitas mais vezes do que por homens.
Mas não, o meu subconsciente encomendou sem hesitar um homem.
Mais concretamente um homem bom, gentil, inteligente e culto, com antebraços bonitos, que ia ao pão de manhã.
(caso tenham curiosidade, sim, estes fatores estão por ordem de importância)
(não, não preciso que me faça rir, posso tratar dessa parte)
(sim, claro que eu também podia tratar da parte de ir ao pão. Mas enquanto formulava esta imagem, assim espontânea, cruzei-me realmente, acreditem ou não, com um homem que regressava a casa vindo da padaria. Ele não tinha nada um ar bom e gentil, tenho de confessar, mas estava ali. A salvação de donzelas também é uma questão de oportunidade, como em tudo na vida)
De acordo com o Gemini, com base na descrição acima, o senhor é este:
Tem um ar fofinho, realmente, mas um bocado betinho, não é?
Não é a indumentária, que eu aceito, claro que até a inteligência artificial sabe que uma camisa arregaçada até pouco antes do cotovelo é a melhor forma de mostrar os antebraços.
Mas há ali alguma coisa, é demasiado penteadinho.
Claramente esqueci-me de indicar ao Gemini preferências de orientação política.
Erro crítico. Não pode ser.
Com ou sem sentido de oportunidade, este fator é demasiado importante para mim - já tentei dormir com o inimigo e não funcionou (bem, essa parte funcionou, o resto é que nem por isso)(e era um amor de um capitalista, é preciso dizer-se com toda a justiça).
Acrescentei essa informação, pedi que lhe desse mais uns cinco aninhos e o Gemini devolveu-me um outro penteadinho, mas desta vez com um arzinho convencido e toda uma atitude demasiado cheia de si - como é que ele ia conseguir ter uma paixão assolapada por mim, se estava tão enamorado de si mesmo? Ou ia salvar-me sem me amar profundamente?
(na verdade, agora que olho para ele outra vez, parece-se um pouco com o verdadeiro senhor do pão)
Ora se é para isto, decidi eu, fico com o que tenho.
Nem sequer estou a precisar de ser salva.
No máximo preciso de pão para amanhã de manhã, já só temos três fatias no congelador.
Não é um apuro, mas quase.
Outras donzelas em apuros
Este texto foi escrito no âmbito de um coletivo de escrita que junta algumas das minhas pessoas favoritas da internet a escrever sobre o mesmo tema todas as semanas.
Esta semana #salvação:
A Curva
A Gata Christie
Dois Dedos de Conversa
Gralha dixit
O blog azul turquesa
Panados e Arroz de Tomate
Quinta da Cruz de Pedra
"que ia ao pão de manhã" 😂
Bom e gentil são as duas características mais importantes num homem, sem dúvida. Mas há que ter cuidado com os falsos bons e gentis, que usam os bons modos para tentar manipular e que à primeira contrariedade salta-lhes logo a máscara. A reação de um homem quando é contrariado é uma boa medida de caráter, agora que penso nisso.
Quando vi o título #salvação pensei logo em religião, curiosamente. Acho que a minha educação católica deixou raízes mais profundas do que esta ateia gosta de admitir... (Por acaso não sei se é da idade mas tenho cada vez menos problema com educação religiosa. Penso até que pode ser uma boa introdução à moralidade e humanismo. Desde que não queira suplantar a educação baseada no método científico, como e óbvio.)
Não sei se é assim uma apreciação generalizada. Mas gosto, tanto nos homens como nas mulheres. E é uma parte do corpo muito democrática, é muitas vezes bonita, em corpos dos mais variados.