Das três irmãs da revolução francesa - liberdade, fraternidade, igualdade - não há na verdade nenhum motivo para a liberdade me merecer um tratamento preferencial. Mas enrolo-a na língua e não lhe resisto.
O “dade” de liberdade abre-se de forma distinta que o das outras duas - liberdade soa como uma omanotopeia, abre-se em voo e o seu som é idêntico ao seu sentido.
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Se mais não fosse, como objecto estético, é uma das palavras mais bonitas do mundo.
Durante muitos anos, celebrei o 25 de abril. Celebrei a liberdade, como quem assinala uma conquista do passado e desci a avenida de cravo na mão e lágrimas nos olhos. Uma vez, outra e outra. Levei os meus irmãos, levei amigos e amigas, levei as minhas filhas.
No ano passado, em vez disso, fiz uma viagem no tempo - fui ao 25 de abril e, quando lá cheguei, estava no último dia da Expo 98. Pessoas andavam em todas as direções, não havia rede de telefone, não se ouvia música nem palavras de ordem. Sei de quem tenha achado muito bonito e provavelmente foi, mas eu perdi o meu cravo e senti-me tão perdida como ele.
Este ano, espera-me uma viagem no tempo diferente.
Daqui a bocadinho, quando sair de casa, o meu “25 de abril sempre” terá a urgência de uma palavra de ordem que se encontra frente a frente com a besta que combate.
Fascismo nunca mais - contra o crescimento do racismo e da xenofobia em cada canto do meu bairro, nas conversas das ruas que cruzo, no ódio e na violência que sinto no ar. Lá longe, mas muito aqui também.
Fascismo nunca mais - pela liberdade de expressão, de reunião e de protesto, postas em causa no mundo ocidental, e não apenas nos Estados Unidos, de formas que nunca acreditei possíveis.
Fascismo nunca mais - contra a misoginia galopante, contra o aumento da violência contra as mulheres, contra a ideologia incel, contra a agenda TERF e todos aqueles que querem ditar aos outros como se vestir, a que horas sair, como amar, como e quem ser.
Fascismo nunca mais - pela paz, pelo respeito pelo direito internacional, pela entrada imediata de ajuda humanitária em Gaza e por um cessar-fogo genuíno e definitivo.
Fascismo nunca mais - pela verdade, pelo Estado de Direito e pela separação de poderes.
(Pela separação de poderes? Mas isto é um protesto ou é uma reencenação histórica? Pois, bem vos disse que isto era uma viagem pelo tempo.)
Somos livres, não voltaremos atrás.
Ou pelo menos não calados.
Não sem protestar.
Não sem lutar.
Que tal como o fascismo, que por aí andou a aguardar pacientemente a sua vez, também estamos atentos, despertos e prontos.
Outras liberdades:
Este texto foi escrito no âmbito de um coletivo de escrita que junta algumas das minhas pessoas favoritas da internet a escrever sobre o mesmo tema todas as semanas:
A Curva
A Gata Christie
Dois Dedos de Conversa
Gralha dixit
O blog azul turquesa
Panados e Arroz de Tomate
Quinta da Cruz de Pedra
Fonte da imagem:
O desenho da imagem é da Mafalda, de Briteiros, Guimarães.
Se seguirem o link, ela explica-vos o desenho e ainda aprendem alguma coisa sobre adultos que já não cabem no escorrega e sobre a irmã da Margarida, que está quase a nascer.
Esta nota de rodapé é para reconhecer direitos de autor ao Nabokov.
Mas não é bem um plágio, simplemente era irresistível no caso dele e irresistível no meu.
Recebi ontem no correio a minha carta para ir votar, não podia ter sido em melhor data. Pela liberdade, sempre! Fascismo nunca mais! ❤️
Obrigada, Rita. Juntamente com a Mafalda e a Margarida, fizeste o meu 25 de Abril. Viva a liberdade!