atraso de vida
em que uma adulta de chocolate com jeito para começar projetos descobre que o que a faz feliz é começar projetos
A minha geração inventou o verbo “adulting”, um verbo que junta à ideia de ser adulto uma componente de dúvida. Ao contrário de envelhecer, que é inevitável, “adulting” é algo que se pode “desconseguir” (gosto tanto deste verbo).
Temos filhos mais tarde (ou nunca), empregos estáveis mais tarde (ou nunca), casa própria mais tarde (ou nunca). Temos dificuldades em fazer poupanças, não gostamos de telefonar para restaurantes (não se pode mandar um e-mail?) e tentamos comprar um molhinho de ervas aromáticas pela internet (esta última fui eu, mas não consegui). Andamos atrasados, somos a definição por excelência de um atraso de vida.
Somos, como definiu de forma deliciosa a Joana Macieira, “adultos de chocolate”.
Por estes dias, quase aos 43 anos, dou comigo numa posição estranha. No papel, estou exactamente onde gostava de estar (em parte, estou até exactamente onde sonhei estar, o que é extraordinário).
Mas faltava-me alguma coisa e, por incrível que pareça, acho que o que me faltava não era tempo para mim, saídas a dois, noites bem dormidas, mais dinheiro, um creme de olhos novo ou reservas maiores de ferritina, mas exactamente isto que aqui me traz: escrever.
(enfim, não me interpretem mal, continuam a faltar-me todas as outras coisas)
Desde que voltei a escrever, mesmo que sem programa, sem promessas e para um público muito mais reduzido que anteriormente, ando pelos dias com mais vontade e com outro propósito (pareço uma destas velhinhas que fazem bodyboard em Viana do Castelo).
É como se na vida tivesse chegado à meta, ou a algumas metas, quando o que me fazia falta era chegar ao ponto de partida. Como na última estrofe deste poema do Charles Simic, chamado justamente “Late Arrival”, a partir do qual comecei a escrever este texto:
LATE ARRIVAL
The world was already here
Serene in its otherness.
It only took you to arrive
On the late afternoon train
To where no one awaited you.
A town no one ever remembered
Because of its drabness
Where you lost your way
Searching for a place to stay
In a maze of identical streets.
It was then that you heard,
As if for the very first time,
The sound of your own footsteps
Under a church clock
Which had stopped just as you did
Between two cempty streets
Aglow in the afternoon sunlight,
Two modest stretches of infinity
For you to wonder at
Before resuming your walk.
Outros atrasos de vida:
Este texto foi escrito no âmbito de um projeto que junta algumas das minhas pessoas favoritas da internet a escrever sobre o mesmo tema todas as semanas. À medida que forem sendo publicados, virei cá colocar ligações para os restantes textos, mas deixo já os links para cada página, por ordem mais ou menos alfabética, para os mais impacientes:
O blogue azul turquesa - Atraso de vida
A Curva - Atraso de vida
2 Dedos de Conversa
A Gata Christie - Atraso de vida
Gralha dixit - Atraso de vida
Panados e Arroz de Tomate - Atraso de vida
A magia da escrita 😍
Que delicia de texto e essa da encomenda das aromaticas fez-me rir