até o diabo se ria
Sobre uma rita maria pequenina a braços com a religião e o meu talento para procurar coisas. Qual é o contrário de incompetência estratégica?
A minha educação católica foi profundamente desigual – em casa não havia crentes, nas férias e nas temporadas passadas em casa da minha avó havia missa semanal, muitas vezes com o meu tio padre, de que um dia ainda aqui hei-de falar, catequese e conversas regulares sobre a fé, os santos, a moral, Deus e o Diabo.
O resultado era uma fé convicta, umas vezes crítica, porque a minha avó era muito conservadora e eu uma pequena revolucionária em construção, mas acima de tudo profundamente pueril.
Um exemplo da minha inocência é a minha relação com o Diabo, que eu acreditava genuinamente que me estava a esconder os brinquedos que eu procurava.
Mas o Diabo não os escondia para sempre: às vezes, quando eu desistia, voltava a por as coisas num local onde as encontrava facilmente.
Bastava eu deixar de procurar e ele cansava-se da partidinha.
Desenvolvi então uma técnica bastante peculiar.
Andava pela casa a dizer “Onde é que estão os cavalinhos dos legos?”, enquanto procurava, na verdade, os jet skis da Barbie.
O diabo provavelmente lia pensamentos (senão como é que ele sabia do que eu andava à procura?), mas ia-se produzindo um ligeiro efeito de dissociação que talvez o enganasse.
Hmm, afinal estou a esconder os jet skis da Barbie ou os cavalinhos dos legos? E onde é que estão esses cavalinhos dos legos afinal, para os esconder? Ou já escondi?
Ai, que me troco todo.
Conseguia assim, enganando o diabo, criar articialmente aquele efeito conhecidíssimo de encontrarmos as coisas quando já não estamos à procura.
Ou, no meu caso, quando fingimos que não estamos à procura.
Hoje já não converso com o Diabo.
Nunca passei completamente de agnóstica a ateia, mas não tenho dúvidas da inexistência do Diabo.
Mas, seja em virtude destas manigâncias da infância, seja por já ser desarrumada há muitos anos, como a minha avó e o meu tio-padre, sou imbatível a procurar coisas,
a campeã indisputada lá de casa.
(espera aí, isto é uma daquelas coisas em que as mulheres descobrem que fazem uma coisa melhor que os outros porque têm talento natural para ela se esforçam mais, e depois pimbas, ficam com essa tarefa atrelada para sempre, não é?)
Outros diabos em grande galhofa
Este texto foi escrito no âmbito de um projeto que junta algumas das minhas pessoas favoritas da internet a escrever sobre o mesmo tema todas as semanas. Esta semana, damos as boas vindas à Marisa, da Quinta da Cruz de Pedra! Bem-vinda, bem-vinda!
Deixo-vos os links para cada página e depois, ao final do dia, venho cá juntar o link para cada texto:
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