Desde que sou pequena, a União Europeia falhou todos os seus desafios em termos de política externa. Não um ou dois, todos.
Não houve um único em que tenha agido de forma concertada e contribuído de forma significativa para a promoção dos valores europeus.
Falhou no Kosovo.
Falhou na segunda Guerra do Iraque.
Falhou no Afeganistão.
Nesta altura, ainda era eu uma europaísta de olhos brilhantes, a terminar um mestrado em Estudos Europeus (na verdade, se me apanharem distraída, assim espontaneamente, sou capaz de ainda vos dizer que vale a pena lutar pela União Europeia).
Mas depois, falhou na crise do Euro.
Falhou na crise dos refugiados, deixando Merkel sozinha.
Transformou-se numa fortaleza, protegida por regras cruéis e práticas que desafiam os direitos humanos.
E, honestamente, começou a ser cada vez mais difícil que me apanhassem distraída e que vos citasse qualquer tipo de esperança.
Por isso, não devia surpreender-me que a União Europeia falhasse na resposta à maior crise dos direitos humanos que enfrentamos. E falha, claro - há países europeus que já reconheceram o Estado da Palestina, outros que não. Há países europeus que anunciaram cumprir decisões do Tribunal Penal Internacional, outros que não. Há países que ameaçaram sanções a Israel, outros que não.
E a União Europeia? Não existe.
Falha, porque não existe.
Os países que a compõem têm uma política externa (os que têm, claro, nós por exemplo temos um apartamento demasiado pequeno, não dá nem para ter um cão, quanto mais uma política externa).
Mas a UE não tem.
E, que se note, longe vão os tempos em que sentia a falta.
Ainda assim, apesar do hábito, estou um pouco chocada.
Esta semana, uma deputada do Parlamento Europeu foi sequestrada pela marinha de Israel de um barco com bandeira britânica que navegava em águas internacionais.
Refraseando: uma titular de um órgão de soberania europeu.
De outra forma ainda: uma representante eleita, do único órgão eleito da União Europeia.
As reações?
Parlamento Europeu
Este é o o perfil do Parlamento Europeu no Instagram. Nem uma palavra.
Este é o perfil do Parlamento Europeu no Twitter. Nem uma palavra.
Este é o perfil do Parlamento Europeu no Bluesky, onde finalmente encontramos uma declaração, que aparentemente demorou um dia inteiro a escrever. É de Delphine Collard, a porta voz do Parlamento Europeu:
Comissão Europeia
Este é o perfil da Comissão Europeia no Twitter. Nem uma palavra.
Este é o perfil da Comissão Europeia no Bluesky. Nem uma palavra.
Este é o perfil da Comissão Europeia no Instagram. Nem uma palavra (mas o perfil não parece estar a ser usado ativamente).
Kaja Kallas, Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança
Esta é a página de Kaja Kallas, lta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, no Instagram. Nem uma palavra.
Esta é a página de Kaja Kallas no Twitter. Nem uma palavra.
Esta é a página de Kaja Kallas no Bluesky. Nem uma palavra.
Este é o website do Serviço Diplomático da União Europeia, que ela lidera, onde finalmente encontramos uma referência ao sequestro de uma parlamentar europeia. Não porque ela tenha escolhido falar sobre este assunto, atenção, limita-se a responder quando interpelada diretamente por um jornalista, à margem de um encontro com o ministro dos negócios estrangeiros da Índia. Vale a pena ler esta resposta na íntegra, porque é um tratado do Whataboutismo:
Q. Two questions. The first question is on Israel’s raid on an international humanitarian aid ship to Gaza. There were nine EU citizens, including one member of Parliament. Several countries condemned it, and experts said that unlawful to stop it in the international waters. So, what is the EU position about it? And the same question for you, sir. And the second, if I may say, it is about India-Pakistan conflict, I would say, will the EU take initiatives to resolve the conflict in a peaceful way?
So, of course, the consular protection for the citizens is up to the Member States to provide. When it comes to international law, it has to be followed also in the international waters. But what we discussed today also is that we have to develop the international law further
when it comes to maritime issues, like we have the issue of stopping the shadow
fleet, for example, [or] we have the issue of [damaged] subsea cables. All
these things are new threats and new worries. And I think in the global multilateral
fora, we need to develop the international maritime law further.
Ursula van der Leyen, Presidente da Comissão Europeia
Esta é a página de Ursula van der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, no Instagram. Não sei deixem enganar pelas imagens do Mediterrâneo - sobre Rima Hassan, nem uma palavra.
Esta é a página de Ursula van der Leyen no Twitter. Nem uma palavra.
Esta é a página de Ursula van der Leyen no Bluesky. Nem uma palavra.
António Costa, Presidente do Conselho Europeu
Esta é a página de António Costa no Twitter. Nem uma palavra.
Esta é a página de António Costa no Instagram. Nem uma palavra.
Esta é a página de António Costa no Bluesky. Nem uma palavra.
É o que se chama um silêncio ensurdecedor.
Toda esta situação foi aberrante. Também o Governo da Suécia descartou a Greta, se não me engano, desresponsabilizando-se do assunto (enfim, não vou dizer que tenho certezas disto, vi um tweet e não fui confirmar, culpada me assumo). É um desespero. Estão todos subservientes a Israel, é surreal. Que absurdo, tudo isto. Não tenho palavras.
É absolutamente chocante e muito, muito desencorajador. Quando tudo falha, de onde é que nós, comuns cidadãos, podemos esperar qualquer tipo de proteção? Sinto-me absolutamente abandonada por instituições e governos, sozinha com a minha impotência enquanto vejo tantas pessoas a morrer.