Tenho tido muito pouco tempo para ler o Substack, mas nem por isso ele me tem falhado. Este mês, a minha grande descoberta foi Lalai Persson e a sua Espiral, escrita a partir de Berlim.
A frase de cima é dela, tal como o subtítulo deste texto.
A fotografia é do website do café acima, onde por acaso nunca estive, mas que encaixa como uma luva nesta descrição, incluindo o frigorífico Smeg e uma ementa que podia ser servida, sem tirar nem por, em qualquer cidade do mundo ocidental. Perdão, que é servida, sem tirar nem por, em muitas cidades do mundo ocidental.
Não tenho nada contra este café em concreto nem contra quem o frequenta - percebo quem sonha ou sente saudades da vida cosmopolita e por isso se sente atraído por esta estética que reconhece das redes sociais ou de outras cidades do globo e também quem aprecia esta iteração muito específica da comida internacional. E percebo a vontade de estar em espaços bonitos, a que não sou de todo indiferente.
Até consigo perceber os turistas que vão a estes sítios que também existem nas cidades deles comer comida que também existe nas cidades deles e que sentem esta experiência como especial.
O que me incomoda é sentir como a globalização nos está a encolher o mundo.
É eu ler uma frase sobre os cafés em Berlim estarem a ficar iguais e associá-la, imediatamente e sem hesitar, a dezenas de cafés que conheço em Lisboa.
Como é possível que tenhamos abolido fronteiras, multiplicado ligações, ligado culturas, para acabarmos todos a beber matcha latte ao preço de um bitoque, em unísono a partir de Londres, Berlim, Copenhaga e São Francisco?
E mais, é ler esta frase e saber que estes não são, para as pessoas, espaços de restauração quaisquer. Não são o McDonald’s ou a Pizza Hut, que prometem uma experiência quase idêntica mundo fora.
Não, estes são os “sítios especiais”.
Aqueles muita giros, cuja abertura é celebrada e partilhada com os amigos.
São estes “sítios especiais” que são todos iguais - que têm o mesmo aspecto e servem a mesma ementa, com muito ligeiras variações locais.
O especial tornou-se uniforme.
E de repente o mundo parece um lugar pequeno, mas pelas razões erradas.
Para não dizerem que nesta newsletter não se aprende nada de útil #4 e #5
Já não sei onde foi que li que esta escova fazia realmente a diferença para desembaraçar cabelos, mas testei e é mesmo verdade. Comprei a minha na Normal, primeiro uma pequenina para ter na mala e depois, comprovado o milagre, a maior. Recomendo sem hesitar, especialmente a quem tiver filhas pequenas.
Outro assunto completamente diferente: neste website, descoberto via 20 % Berlin, podem ver se a vossa password favorita já foi hackada. A minha password universal original, que já só sobrevive em muito poucas contas, apareceu em 22 data breaches. Oops!
Coisas pequeninas sem nome e sem política:
Por falar em mesmificação do mundo, tinha-vos contado outro dia que tinha comprado um álbum ilustrado do Ali Mitgutsch, um dos maiores desenhadores de Wimmelbücher alemães. Ontem abri-o com mais atenção e fiquei encantada com este detalhe tão alemão: a página da praia tem uma secção de nudistas (a secção FKK, no canto superior direito).
Quero isto para as minhas filhas: livros infantis de diferentes países que reflitam as realidades desses países, na sua infinita variedade.
(É também por isso que quero muito um livro de Natal português, sem neve e com direito a bacalhau e fritos de Natal. Podia escrever um, claro, mas era um sonho que preferia realizar através de terceiros, não querem vocês escrever ou publicar um?)
(ainda no mesmo livro, na página da quinta, outro senhor faz chichi contra uma árvore, apesar de eu ter aprendido ontem, também na 20 % Berlin, que os homens alemães detêm o primeiro lugar mundial para a maior percentagem de homens que fazem chichi sentados. Quase me deu vontade de voltar a viver com um alemão, mas depois lembrei-me que não me matam as borboletas da noite)Passei este último fim de semana a lutar contra uma trepadeira que plantei inocentemente na pandemia e que ameaçava tomar conta dos quintais do quarteirão todo, tendo já coberto a árvore de um vizinho. Se quiserem uma planta de crescimento
rápidoincontrolável sem necessidade de rega, este jasmim-falso é imbatível. Mas se tiverem vizinhos, recomendo distância.(Têm conselhos de jardinagem para a troca? O canteiro onde estava esta planta apanha sol todo o dia e gostava de o voltar a encher de flores. Mas têm de ser flores que aguentem muito sol e
rega negligenterega ambientalmente responsável - incluindo três semanas de ausência completa em agosto. Estava a pensar em margaridas, malmequeres, sardinheiras, tomilho e lavanda, têm alguma outra sugestão? Trepadeiras de crescimento rápido não pode ser, cactos fofinhos ou plantas venenosas também não, buganvília e hibisco já tenho)Por fim, uma notinha triste para assinalar o falecimento do Pocket, onde guardo links da internet há provavelmente mais de uma década. Vão ficar muito menos bem guardados no meu chat de WhatsApp comigo mesma (há alternativas melhores, certo? Alguém que não seja uma pessoa excessivamente organizada já testou o Notion?).
Outras coisas pequenas, também sem nome, já com um bocadinho de política à mistura, mas quase sem referência às eleições:
Na semana passada, li o In Memoriam da Alice Winn, de que gostei muito e que me deixou muito tempo a pensar sobre o absurdo da guerra. Em especial, sobre a questão, tão urgente como bizarra, de como é que as guerras terminam.
Na versão cliché, um lado vence de forma indubitável, o outro reconhece-o e a guerra termina de forma evidente, mas não tem sido essa a experiência das últimas décadas, pois não?Numa discussão recente sobre a corrida às armas na Europa no mural de um amigo, referi que uma das coisas que me preocupa é justamente a proximidade ao poder dos partidos de extrema-direita nos países da Europa.
Os resultados das eleições portuguesas e esta lista do Paulo Querido reforçaram esta minha preocupação: a Europa é hoje é um continente onde a extrema-direita está no poder em seis países (Itália, Hungria, Países Baixos, Eslováquia, Finlândia), muito próxima do poder noutro (Suécia) e registou um crescimento assinalável noutros quatro (Portugal, Alemanha, Bélgica e Reino Unido), tendo já estado muito próxima do poder também na Áustria, França e Roménia.
De acordo com o ECO, só quatro países da União Europeia não têm partidos da direita radical com representação parlamentar: Irlanda, Eslovénia, Luxemburgo e Malta.
Um sinal alarmante de que as coisas estão a ir na direção errada: existem países europeus que querem reverter a proibição da utilização de minas terrestres (podem assinar a petição e ler mais sobre os motivos pelos quais as minas devem continuar a ser proibidas aqui).A nossa Procuradora Geral Adjunta escreveu um artigo sobre a cultura incel, certamente bem-intencionado, mas profundamente poucochinho. Depois de, de forma paternalista, se perguntar “de onde brota tanta agressividade fatal, em tão curtas idades, quando ainda estão longe os verdadeiros problemas que a vida pode cobrar?”, a procuradora sugere como solução a mobilização dos adolescentes para as grandes causas humanistas através da educação (Ah, então era essa a solução!).
Termina com um argumento imbatível para os adolescentes incel respeitarem as mulheres: “Por último, não posso deixar de recordar que a beleza e o encanto das mulheres foram, e são ainda, inspiração para todas as artes. Da literatura – mesmo a infantil – à música, na pintura e no cinema, são incontáveis as grandes obras do génio artístico que têm como tema a mulher em todo o seu esplendor. Na sabedoria oriental, a mulher é metade do céu!”
Está feito. Realmente, se somos assim tão encantadoras, bonitas e celestiais, deviam parar de nos tratar mal. Respeitar não sei, também não quero ir tão longe, mas era caso para pelo menos nos comporem uma écloga.William Steelink the Younger, Portland Art Museum
I see you added captions! I am now a Substack teacher :-)
Nunca desiludes! Da crítica à sugestão esta edição tem muito que se lhe diga!